Acabei de terminar o desafio do dia 2. Hoje é o dia 10 😁. Tô nem aí.
Também acho que fugi da característica de contos – de não haver saltos temporais ou espaciais. Nessa estória tem os dois . Tô nem aí mesmo 😎.
Estou usando o desafio para desenvolver ideias para o livro que está em fase de planejamento. O objetivo do dia 2 é trabalhar personagens complexos. Usei os exercícios e preenchi a ficha de personagem com a Amelie, a gatinha que perturba achando que está ajudando a protagonista no livro. No conto abaixo, falo sobre seu passado. Espero que goste 😽.
A Origem de Amelie
A frágil gatinha precisava ser alimentada com uma seringa e, posteriormente, com uma pequena mamadeira. Sendo a menor e mais fraca da ninhada, seus irmãos e irmãs não lhe davam muitas oportunidades de mamar no peito.
Apesar disso, não era certo se iria sobreviver. Adília até fez promessa que, mesmo que a pequena se desenvolvesse, não a venderia. O marido achava que não valia a pena, pois aquela filhote tão desmilinguida nunca se tornaria uma boa reprodutora. A mulher não se importava, Amelie era seu xodó e ficaria com ela.
Às oito semanas de idade, quando ainda era conhecida como Rosalita, a gatinha fez sua primeira visita ao veterinário. Um conjunto de desventuras em série deixaram o consultório atipicamente movimentado naquele dia: um atropelamento, um envenenamento, e a chegada de outra mãe-gata e sua super ninhada de 12 miantes barulhentos.
Amelie estava assustada. Na confusão, ninguém percebeu que ela havia se debandado e escondido. A assistente assoberbada distraidamente juntou um filhote da outra gata com seus irmãozinhos.
Somente quando chegou em casa, Adília percebeu que trocaram sua querida filhote com outro da mesma cor. Dirigiu como uma louca de volta ao consultório, e encontrou o dono da outra mãe-gata fazendo um escândalo já que a assistente só devolvera onze dos seus doze bichanos.
Amelie estava perdida.
Quando Adília chegou, sua gatinha já havia a muito se esgueirado para fora do prédio e caminhado a esmo um bom pedaço de chão. Estava procurando sua família. Ao final de algumas horas virando e revirando todos os cantos e recantos do consultório, Adília desistiu e voltou para casa arrasada.
Amelie estava verdadeiramente perdida.
Mesmo depois que o sol se pôs, a valente gatinha não desistiu da sua busca. Porém, a única coisa que encontrou foi uma ratazana quase do seu tamanho que a atacou. Na fuga, correu tudo que pôde com suas perninhas curtas sem saber para onde estava indo.
Estava mais perdida ainda.
E com fome.
E com medo.
Miou, miou, miou, mas nem mamãe nem Adília vieram ao resgate. Continuou caminhando. A fome aumentou, o medo aumentou. Tentou pedir ajuda a alguns gatos de rua, mas eles a botaram para correr.
Tinha muita sede. Miava para as pessoas que passavam, mas de um miado tão fraco que elas não escutavam. Finalmente chegou ao parque. Era muitas vezes o tamanho do jardim de sua casa.
Havia um enorme balde de água, o lago. Ele a salvou da sede. Encontrou um resto de hamburguer ao lado de uma cesta de lixo. Comeu da carne até encher a barriga, e assim não morreu de fome. Por fim, encontrou uma caixa vazia e desmaiou de cansaço dentro.
Alguns dias se passaram dessa forma, no medo, na solidão, no lixo. Uma noite, acordou com alguém levantando brutalmente a caixa onde acreditava estar segura. Gritou, correu, e assustou o lixeiro que estava trabalhando.
A filhotinha não era rápida e foi fácil para o homem agarrá-la. Contorceu-se, ameaçou, bufou, mordeu, arranhou. Mas as luvas grossas protegiam a pele do humano.
“Olha só isso, esse gato parece um gremlin albino, há, há, há.” Disse o homem mostrando Amelie para seu colega.
“Larga isso, deve estar todo doente, esse bicho.” Respondeu o outro.
“Você tá doido? Ele vai morrer se ficar aqui. Vou levar para casa, eu sempre quis ter um gremlin, há, há, há.”
Abrigou Amelie em seu casaco. O homem, que se chamava Roger, cuidou dela e lhe deu um novo nome: Gizma. Eram inseparáveis, ele até a levava para o trabalho todos os dias. Nessas noites malcheirosas, a gata observava o comportamento dos gatos de rua. Como eram hostis aqueles felinos! Que bom que tinha Roger para alimentá-la e protegê-la.
Até aquela fatídica noite, por volta de um ano depois, quando, ao voltarem do trabalho, um assalto tirou a vida de Roger. Amelie não entendeu o que estava acontecendo. Será que ela tinha feito alguma coisa errada que o deixara zangado? Não importava o quanto a gatinha miasse, lambesse, ou se esfregasse, seu amigo não falava mais com ela, não lhe fazia um carinho. O belo sorriso que sempre trazia no rosto não apareceu.
Quando os policiais chegaram, usaram suas grossas botas pretas para tirá-la de perto dele. Depois de um tempo, colocaram Roger em um grande saco preto e o levaram embora num carro branco com marcas vermelhas. Amelie ficou para trás assistindo tudo à distância.
Estava perdida novamente.
Assim que os humanos foram embora, os gatos de rua a atacaram. Ela fugiu. A sua casa ficava muito longe, nos arredores da cidade. Demorou semanas, mas achou o caminho de volta.
Entrou pela janelinha do banheiro. Não havia mais nada no pequeno apartamento: nem os móveis, nem seus brinquedos, nem seu amigo. Deixou-se ficar assim mesmo.
Apesar de ainda ter um lugar seguro para dormir, precisou aprender a brigar. Saía à noite para buscar comida, mas muitas vezes tinha que disputar com os outros felinos urbanamente selvagens. Depois, retornava ao lar vazio na esperança de que Roger também voltasse.
Com o passar do tempo – e a dormência no coração que só quem precisa das ruas conhece – a esperança foi se apagando. A última brasa se extinguiu no dia que os novos moradores humanos chegaram.
“Ave, o que é isso? Um gato doente? Xô, sai daqui, praga!”
É possível que as ruas tivessem mudado um pouco a sua aparência e talvez não parecesse tão saudável e bem cuidada quanto na época de Roger. Feridas de lutas na cabeça. Pele exposta no corpo onde o pelo encaracolado caíra. Nada disso justificava o modo brutal com que a expulsaram de sua própria casa: batendo com a vassoura e arremessando coisas.
No entanto, dessa vez Amelie não estava perdida. Os últimos dois ou três meses foram sua escola para aprender a se virar nas ruas.
Amelie só estava completamente sozinha.
O que é o Desafio de Escrita de Contos em 30 Dias.
É um evento online oferecido pela mentora Helena Schiavoni Sylvestre, fundadora da Casa do Contista, onde são enviados prompts todos os dias durante 30 dias. O evento em que estou escrita vai de 12/08/2024 a 10/09/2024.