Objetivo do dia 1: compreender e aplicar a estrutura básica de um conto.
Confesso que fiz esse exercício pensando que se tratava do tema do desafio, mas era ‘só’ um exercício. Acho que esses 30 dias vão ser mais desafiadores do que eu imaginava.
Não garanto cumprir todos os exercícios e temas todos os dias – hoje, por exemplo, só fiz o exercício e meu cérebro já está gritando para meu corpinho cansado ir para a caminha dormir. Mas vou fazer meu melhor esforço e produzir o máximo que conseguir.
Segue abaixo o que escrevi hoje.
O deadline de Elsa.
Elsa precisava entregar o artigo em quinze minutos. O jornal não conseguiria fechar sem esse artigo porque não havia matéria de gaveta. O editor avisara no início do expediente – em alto e bom som para quem quisesse ouvir – que, se o jornal atrasasse pela terceira vez na semana por causa de Elsa, ela poderia procurar outro lugar para trabalhar.
Seu problema era que, como se não bastasse a fraqueza de vontade, os remédios a deixavam sonolenta. Também não ajudavam os goles da vodka engenhosamente colocada no copo térmico de café. Para piorar a situação, a pauta daquela manhã não poderia ser mais desestimulante: a aquisição de dois ‘carros fumacê’ pela prefeitura para ajudar no combate ao aedes aegypti na periferia.
Doze minutos. Oitenta e três palavras escritas. A pauta recomendava setecentas e cinquenta. Elsa conseguira produzir onze porcento do que precisava, contando com o título. ‘De que adianta ser rápida na porcentagem numa hora dessas? Preciso ser rápida no texto’. Pensou. Nesse pensar, passaram-se mais dois minutos.
‘Entendo que deve ser muito difícil perder um marido, mas já faz meses, ela precisa superar! Está prejudicando a equipe.’ A frase meio sussurrada de uma colega para outra mais cedo não lhe saía da cabeça. Elsa sabia que tal víbora vinha envenenando os outros colegas da redação e pressionando o editor há algum tempo contra ela. Gostaria de poder elaborar uma resposta ao invés do artigo sobre a fumaça malcheirosa:
‘Querida, não perdi um marido; perdi meu grande amor, coisa que você nunca teve.’ Escreveu a frase na folhinha do bloco de nota adesiva, só para não esquecer.
Os dedos tamborilavam a mesa tão lentamente que ninguém pensaria que se tratasse de nervosismo, mas era. Se Elsa perdesse o emprego, não sabia de onde tiraria forças para procurar outro. As contas não deixariam de chegar tampouco.
Sete minutos. Quase duzentas palavras. Mais de vinte e cinco por cento da meta alcançada. A frase ‘a prefeitura da cidade adquiriu dois carros fumacê para o combate do mosquito da dengue essa semana’ fora repetida três vezes com pequenas variantes. Uma vez se usou ‘prefeito’, outra vez foi voz passiva. Tudo valia para não ‘prejudicar a equipe’ ou perder o emprego.
Mais um gole de vodka, dos grandes. Quatro minutos. O editor checou seu computador e olhou furioso na direção de Elsa. Ela fingiu não ver, fazendo de conta que estava absorta em seu trabalho. Na verdade, estava quase a cair em cima do teclado de tanto sono. Seria melhor se houvesse café forte no lugar da vodka naquele copo.
Dois minutos. Hora do desespero. Não, nada de desespero. O remédio não deixava. Quando a cabeça começava a se agitar, ele aumentava o efeito: o raciocínio ficava ainda mais lento e a memória se esvaziava como se nada houvesse existido para ser lembrado. Tarde demais, Elsa sentiu o alquebramento crescer, os músculos dos seus dedos cada vez mais pesados sobre as teclas.
Um minuto. O derradeiro. O editor virou sua cadeira na direção de Elsa e a encarava de braços cruzados. Os outros colegas fingiram que não estavam percebendo, mas trocavam olhares, sinais, e cochichos. A colega do ‘ela precisa superar’ portava um indisfarçável sorriso malicioso no canto direito da boca.
Quarenta e cinco segundos. Tempo mais que suficiente. O site oficial da prefeitura da cidade estava aberto em outra janela como fonte de pesquisa. Elsa copia e cola algumas sentenças da nota oficial, inserindo-as entre aspas nos parágrafos que havia escrito. Setecentas e sessenta e uma palavras. Onze a mais do que a pauta pedia.
Envia. Olha para o editor. Aponta para o seu computador. Esperava dele uma reação de decepção, mas a expressão de raiva deu lugar a um pequeno sorriso de alívio. Sentiu-se um pouco culpada. Tanto fazia, o importante é que ela não perderia o emprego naquele dia.
Elsa levantou-se da cadeira, os músculos estavam rígidos, mas a mente estava livre da tensão. Arrancou a primeira folha do bloco de notas adesivas, passou pela mesa da colega-víbora, pregou-lhe o papel na testa, e saiu da sala para esticar as pernas.
O que é o Desafio de Escrita de Contos em 30 Dias.
É um evento online oferecido pela mentora Helena Schiavoni Sylvestre, fundadora da Casa do Contista, onde são enviados prompts todos os dias durante 30 dias. O evento em que estou escrita vai de 12/08/2024 a 10/09/2024.