Desafio de Escrita de Contos em 30 Dias – Tema 1: Um Encontro Inesperado

A depressão não deu folga essa semana, só consegui desenvolver o tema do dia 1 no quinto dia 😥. Tenho usado bastante meus próprios conselhos, então pouco importa o atraso, o resultado, a qualidade; importa que eu faça.

Segue abaixo a produção de hoje.

Um Encontro Inesperado

O que havia por detrás daquela porta era o pior monstro que já vira na vida. Não consegui segurar o grito de pavor.

Eu já deveria estar acostumada aos monstros àquela altura, mas aquele era de uma hediondez tão horripilante que fez meu sangue parar de correr nas veias. Nem mesmo o forte sopapo que o gangster ao lado deu na minha cabeça conseguiu me tirar a mão da boca.

Meu boné caiu, expondo a pele sobre o meu crânio. Meu disfarce poderia estar perigosamente comprometido, mas não consegui me mover nem para pegá-lo de volta.

“Entra, seu idiota, esse é Dogão, o chefe.”

O patife renovou o sopapo ainda com mais força, forçando-me a dar um passo à frente, e fechou a porta atrás de mim.

Dogão não parecia estar se divertindo com a situação. Com certeza tinha consciência da sua aparência abominável, minha reação não deveria ser incomum em sua rotina. Costumava ser um homem esbelto e elegante. Até mesmo bonito, pode-se afirmar, com seus belos e penetrantes olhos azuis. A um tempo, fora a segunda pessoa mais importante do país, o primeiro-ministro.

Embora afastado da vida pública há quase duas décadas, seu irmão ainda estava na política, lutando pelo mesmo posto que havia sido seu. Um pouco mais difícil pelas vias democráticas, sem o papai para ajudá-lo. Apesar de tudo, o nome da família ainda tinha peso e nunca ninguém poderia imaginar que aquela era a identidade do mais temido líder de quadrilha de criminosos de rua.

“Do-dogão, esse é o cara novo que te falei. Tá-tá se saindo muito bem, o moleque promete.”

Seu medo era tão palpável quanto o meu, talvez já tivesse percebido o tamanho do erro que foi me levar lá. Não era só a gagueira repentina, seu suor caía em gotas no chão.

O monstro não disse nenhuma palavra. Por alguns momentos encaramos um ao outro: eu com terror, ele com ódio. Como fui me meter numa situação daquelas? Era tudo culpa da Amélie, aquela gata desgraçada!

Oferecia algum alívio que eles não haviam percebido que eu era uma mulher. E de meia-idade. As expressões “cara novo” e “moleque” indicavam isso. O disfarce resistia, então, se conseguisse sair daquela, nunca mais voltaria a utilizá-lo, queimaria todas as roupas, e bonés, e tênis, e até a maquiagem que usava para modificar meus traços faciais.

“Bo-boa noite, senhor Dogão. De-desculpa aí qualquer coisa.” Tentei falar naturalmente, mas parecia que tinha uma pedra na minha garganta.

“É só Dogão, imbecil, senhor tá no céu.” Veio o terceiro sopapo na nuca. As pernas cederem. Caí de joelhos. Aproveitei para recolher o boné e colocá-lo de volta em seu lugar. Ajeitei também o capuz do moletom. Levantei-me com a ajuda de uma cadeira, meus membros inferiores não tinham a força necessária para fazê-lo sozinhos.   

O monstro deu alguns passos em minha direção. Mancava terrivelmente e, mesmo com a ajuda da bengala, o caminhar parecia doloroso. Sua face já disforme contorcia-se ainda mais. Eu não conseguia olhar para aquela figura aterrorizante, deformada por dois grandes buracos: um onde deveria estar a bochecha esquerda, e o outro logo acima do primeiro, no lugar do olho. Por que ele não estava usando a máscara que deveria usar quando saía em público?

Parou bem na minha frente, segurou meu queixo entre o polegar e o indicador, e me fez olhar para seu rosto. Estava certa de que ele ia descobrir que eu estava me passando por homem e isso jogaria sal na ferida. Senti ânsia de vômito, não creio que tenha conseguido dissimular. Minha cabeça tremia, assim como todo o resto do meu corpo.

“Você acha mesmo que essa vara de bambu verde promete, Cacimba?” Dogão perguntou a seu cupincha.

“Ssssim, patrão, ele é muito bom de…”

“Você não vê nada mesmo, né Cacimbinha?” O monstro o interrompeu. Nessa hora, minhas pernas estavam para falhar novamente e eu estava basicamente sendo sustentada pelos seus dedos. Ele tinha visto através do meu disfarce, estava tudo acabado.

“Um peida-na-cueca desses que não aguenta nem olhar na minha cara. Você sabe o que é que vai acontecer se esse moleque é pego pela polícia? Ele fala tudo no primeiro cabo de vassoura que rasgar o rabo dele.”

Fui ao chão, Dogão soltara meu queixo, virara as costas e fora olhar pela janela. Tive esperança de que nem tudo estivesse perdido. Talvez o monstro me liberasse. Provavelmente levaria uma surra para aprender de antemão a manter minha boca fechada. Já estava contando com costelas quebradas e em engolir alguns dentes. Prometeria, junto com os que conseguisse cuspir, deixar a cidade e nunca mais voltar.

Parece contraditório que uma pessoa disposta a acabar com a própria vida estivesse tão aflita com a possibilidade de que outros a tirassem.

“Você me decepcionou, Cacimbinha.”

Um rio em gotas de suor caiu a meu lado.

“Mas, Dogão, eu…”

“Tem nem mais nem menos. Se quiser sobreviver nesse negócio tem que trazer gente que preste. Eu devia era mandar eliminar você também.”

O monstro se virou e bateu a mão na mesa. O som ecoou como um tiro de canhão. As pernas de Cacimba não estavam mais tão firmes, porém não cederam como as minhas.

“Vou te dar uma chance. Só vai ter essa. Faça valer minha generosidade. Você sabe o que tem que fazer agora.”

O criminoso subalterno agradeceu humildemente mil e uma vezes e, a um aceno de mão do monstro, levantou-me pelo braço e saiu me empurrando porta afora.

Eu não tinha certeza sobre o que ele sabia que tinha que fazer.

O que é o Desafio de Escrita de Contos em 30 Dias.

É um evento online oferecido pela mentora Helena Schiavoni Sylvestre, fundadora da Casa do Contista, onde são enviados prompts todos os dias durante 30 dias. O evento em que estou escrita vai de 12/08/2024 a 10/09/2024.