Eu finalmente consegui escrever o desafio do dia 3, e o evento de 30 dias terminou ontem 🥳. O objetivo era trabalhar o desenvolvimento de cenários e atmosferas. A fórmula para mim é muito simples:
Cenários = descrição = pedra no sapato.
Não só travei como passei vários dias fugindo da tarefa. A parte boa é que também não me deixei vencer pela depressão, priorizei a escrita da minha trilogia e consegui terminar a revisão do primeiro livro, êêêêê!!!!🎉
Com relação ao conto, não acho que consegui trabalhar bem a questão da descrição, mas já separei algums cursos no Skillshare (link de indicação) para praticar. Depois subo o projeto desses cursos aqui também.
Agora, vamos ao conto de hoje. O tema era escrever um conto que estivesse relacionado às mudanças climáticas, incluindo a descrição de um cenário que criasse a atmosfera pretendida.
Lua Cheia Minguante
“Tá vendo aquelas ilhazinhas ali? Quando eu nasci, não era esse monte não, era uma roda só.”
O indicador quase centenário de Clementina apontava trêmulo para um conjunto de terras finas que formavam uma meia lua no mar. Todos os finais de tarde, Joêncio empurrava sua cadeira de roda quando chegava da escola até o pequeno mirante da Vila das Falésias onde moravam.
Se fosse pelo gosto de Clementina, ela passaria o dia inteiro lá, assistindo seu berço sumir no meio das águas, mas, mesmo com a brisa refrescante, o sol ficava mais abrasador a cada ano, e sua pele delicada não suportava seus raios há muito tempo.
“Como é que chama hoje, meu filho?”
“Atol dos Nudibrânquios, tatara Clementina.”
Apesar dos seus tenros onze anos, o tataraneto fazia questão de passar tempo com sua ancestral mais velha. Ele não se importava de responder as mesmas perguntas, e escutar as mesmas estórias quase todo dia.
“Ri, ri, ri, que nome engraçado. E o que diabo é isso?”
“São as lesmas do mar, tatara.” Clementina sempre ria do nome da ilha, e Joêncio sempre ria da risada banguela dela.
“Ah, bom, são as lesmas do mar. Mas porque deram um nome tão esquisito prum bicho tão colorido e bonito? Só pro nome da ilha ficar feio também. No meu tempo, a gente chamava de Ilha da Lua Cheia Vazada. Era uma roda grande, com um lago no meio, por isso que era vazada. O lago tinha água doce, da chuva. A gente bebia a água do lago, mas aí quando a roda abriu, a água do mar que entrava fez ela ficar salobra.”
O menino já conhecia a estória, mas às vezes aparecia um detalhe novo. Sua imaginação viajava de volta à época que sua tataravó, sua bisa, e mesmo sua avó brincavam nas praias de areia fina e branca que não existem mais.
“Não era muito larga não, na parte mais grossa, a gente passava de um lado pra outro rapidinho. Demorava mais pra dar a volta completa. A casinha que eu nasci era do lado de cá, que não tem mais…” A velha deu um suspiro, seus olhos encheram d’água. “…era pequena, mas morava minha família todinha. Meu pai, minha mãe, e meus seis irmãos. Tive sua mãe nessa casinha, meu filho.”
“Minha bisa, a senhora quer dizer.” O menino consertou.
“Sua o quê?”
“Minha bisa, tatara, foi a bisa Clemência que nasceu lá. Minha mãe é a Clécia, neta da Clemência.”
“Ri, ri, ri, é mesmo. Às vezes eu me confundo. Falar nisso, cadê a Clemência? Ela precisa me ajudar a fazer a janta. O pai dela chega daqui a pouco da pesca.”
“Bisa Clemência tá num lugar melhor.”
“Ô menina danada, sempre fugindo das obrigações. Que lugar é esse? Eu vou lá, vou trazer ela pelos cabelos…”
“Deixe a bisa quieta, tatara, me conte mais da Lua Cheia Vazada.”
A mulher se ajeitou na cadeira ainda amuada pela ausência da filha na hora da obrigação, mas lembrar os ventos que uivavam à noite e o ritmo aconchegante da maré na ilha desmanchariam qualquer amuamento.
“Quando a maré tava baixa, aparecia as pedras e as lesmas. Tinha tanta lesma. A água era tão clarinha que nem parecia que tava lá. Soprava brisa nas palmas dia e noite. Não sei pra onde foi tanto coqueiro, meu filho, tinha coqueiro na ilha inteira. Quando a maré subia, ainda ficava mais longe um tantão assim dos coqueiros.”
Ela abriu os braços para mostrar a distância.
“Tinha um coqueiro tão torto que batia na canela de tão baixo. Eu gostava de me deitar nele pra esperar meu pai chegar da pesca. Depois que casei, eu esperava meu marido sentada. Lá a gente não usava chinela, que a areia era macia e gostosa de pisar. Não era que nem essa areia suja daqui não.”
Fez uma careta de nojo enquanto se ajeitava na cadeira.
“Quando a filha da Clemência tinha mais ou menos o seu tamanho, maior um pouco, é acho que ela tava perto de virar moça; a gente já tava morando do outro lado da roda. Tava não, tô mentindo. Quando a gente foi pra lá, sua mãe veio foi pra cá porque se engraçou do loirinho do olho azul e atravessou o mar pra casar.”
“Essa foi a vovó Clemilda, minha mãe é a Clécia.” O menino consertou sem conseguir segurar o riso. Toda tarde era a mesma coisa, Clementina não acertava combinar o nome com a estória de nenhuma descendente, embora se lembrasse de todas.
“Ri, ri, ri, errei de novo, né? Mas é que essas meninas são tão parecidas…”
“Vovó Clemilda é preta, tatara, a pele da minha mãe é clara e os olhos também.” Disse ele rindo ainda mais.
Eles riram mais um pouco. O tempo começou a esfriar, era o sinal que estava chegando a hora de voltar pra casa. Joêncio esfregou os braços com as mãos opostas.
“Tá com frio, menino? Você não podia morar na ilha não. Lá de noite fazia a gente bater os dentes. Mas o que eu sei é que a casinha era boa, mas a gente teve que sair. E foi muito rápido, foi nem vinte anos que eu ficava sentada esperando meu marido voltar do mar até os coqueiros tarem tudo dentro d´água. Meu coqueirinho arriado nem dava pra ver mais…”
Nessa hora, passou uma moto barulhenta. Mesmo não tendo a audição de antigamente, a velha senhora teve que parar de falar por um momento.
“Povo mal-educado. Por isso que eu queria ir me embora pra minha ilha, lá não tem essas zuadas não. É só marejar de onda e o canto do vento. Até o cheiro é diferente, é um cheiro fresco, de sal e saúde. Aqui é uma catinga de queimado, lixo, e a fumaça que sai dessas coisas zuadentas.”
“Mas ninguém pode morar mais lá não, tatara, tá condenado.”
“Condenado tá é o maldito que obrigou a gente a sair! Taí, onde a gente tava morando, ainda tá cheio de terra firme, não afunda não que é alto. Eu podia tá lá. É capaz da casa nova tá de pé ainda.”
“Tem mais condição de ninguém viver lá não, o homem da cidade explicou. Não dá pra abastecer, levar comida. Só cientista que estuda a natureza tem permissão pra ir na ilha hoje em dia.”
Joêncio se levantou, se posicionou atrás da cadeira, e começou a movimentar Clementina para levá-la de volta pra casa.
“Menino, me promete uma coisa.”
“Diga, tatara.”
“Você tem que prometer primeiro.”
“Como é que eu vou prometer uma coisa que eu nem sei o que é ainda?”
“Meu filho, eu não tenho muito tempo de vida mais não, você vai gastar o tempo dessa velha em teimosia sua? Prometa logo.”
“Tá bom, tatara, eu prometo.” Joêncio não se aguentava com as tiradas da senhora. Também sabia que não podia vencer esse cabo de guerra de vontades, era melhor prometer mesmo.
“Pois você acabou de me prometer que vai me enterrar na ilha quando eu morrer. Do lado do meu velho. A água ainda não levou o cemitério, não, que eu consigo ver daqui onde ele tá. Tá é longe de chegar, vai dar tempo d’eu morrer primeiro. Eu não posso morar lá tando viva, mas tando morta, não há de ter problema.”
Embora fosse mórbido o tema, o menino não conseguiu deixar de dar uma gargalhada da engenhosidade da mulher.
“Olhe, não ria não, que você prometeu e é sério. Se você não cumprir sua promessa, eu venho puxar o dedão do seu pé toda noite. Palavra de tataravó.”
O que é o Desafio de Escrita de Contos em 30 Dias.
É um evento online oferecido pela mentora Helena Schiavoni Sylvestre, fundadora da Casa do Contista, onde são enviados prompts todos os dias durante 30 dias. O evento em que estive escrita aconteceu entre 12/08/2024 e 10/09/2024.